sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Come chocolate, pequena

O que me vale é o chocolate belga. Com toda a sua verdade e corpulência. Com toda a sua pompa e fartura.
Uma lambarice de cacau e açúcar.
Neste momento, cá em casa, há de tudo. Trufas do Pierre Marcolini. Bombons da Neuhaus. Quadradinhos da Zaabär. Minibarras da Galler.
Estou para aqui a lambiscar trufas de champanhe, compenetrada na minha gula, e apercebo-me agora mesmo de que nunca visitei uma fábrica de chocolate.
Gostava à farta de visitar uma fábrica de chocolate.
Para amansar a curiosidade, continuo a comer trufas e leio as biografias dos chocolateiros belgas, esses chefes do cacau. Fico desiludida, claro, por isso como mais um pitéu adocicado. É que os chocolateiros belgas não têm um ar nada doce. E também não parecem lambões nem roliços. A bem dizer, têm percursos de vida normais: licenciaram-se em pastelaria, confeitaria e chocolate, abriram uma lojinha aqui, depois outra ali. São autênticos merceeiros do cacau. E são todos homens, entradotes e muito bem penteados.
C'est dommage, não?
Preferia que fossem chalupas e esgazeados como o Willy Wonka, mas não duvido da sua genialidade.
Come chocolate, pequena, como dizia o outro. E eu como. Não sou pequena, mas como.
O miúdo chora e eu devoro um coração negro com crosta estaladiça. O miúdo adormece e eu tufas nas trufas de pistácio. Ou nas de caramelo e sal. Ou nos biscoitos de chocolate de leite recheados à mão com creme de baunilha. (À mão, ouviram?)
O miúdo acorda e eu engulo um bombom com pedaços de coco. Ou com espuma de maracujá. Ou barras de chocolate branco recheadas com mousse de café e pedaços de avelã. Ou quadradinhos de chocolate preto recheados com espuma de framboesa. Ou com praliné crocante.
No outro dia saímos de casa contra a chuva só para comprar chocolate com especiarias. Foi um festim de sabores. Chocolate preto com coentros, por exemplo. Chocolate de leite com tomilho. Chocolate branco com pimenta rosa. Ou com cardamomo.
De facto, para que serve a metafísica? Que parvoíce.
E a reflexão e a poesia e o entendimento, para que servem?
Perante um bombom, tudo perde sentido. A única maneira útil de passar o tempo é a comer docinhos. E eu cá sou feliz na minha imbecilidade.
Abro os papelinhos delicados e devoro os bombons com exaltada violência. Sou uma besta do chocolate. Não há nada a fazer.
Nunca fui comedida. Nem razoável. Nem moderada. Sou assanhada por natureza. E tenho um apetite voraz.
Ainda assim, sou um doce de pessoa.
Juro.
A sério.
Sou mesmo.
(Pudera.)