sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Gosto e não gosto

Isto é um trabalho de casa. A Sinapse e a Carlota lançaram-me o desafio de escolher 12 palavras de que eu não goste. E eu escolhi. Demorei mas escolhi!
Aproveitei e escolhi também 12 palavras de que gosto. Ninguém me pediu, mas apeteceu-me.
E, já agora, lanço o desafio a mais 3 mentes criativas: ao OrCa, ao Fábio e à Cata. 12 palavras de que não gostem (e, se vos apetecer, 12 palavras de que gostem).


Palavras de que gosto

Gosto de saudade. De sentir saudade, de matar saudade, de dizer saudade, de ouvir a sodade de Cesária. Gosto de sal. Do sal do corpo, do sal do mar, das salinas de Aveiro. Gosto de malmequer, da palavra e da flor, do jogo da infância: mal-me-quer, bem-me-quer. Adoro pão e manteiga, pão com manteiga, dizer pão com manteiga e comê-lo sem mais nada, especialmente ao pequeno-almoço com uma taça de café. Gosto de beijinhos. De dar beijinhos e receber beijinhos, de beija-flores. Gosto da palavra e da cor azul. Gosto da palavra e da cor amarelo. A primeira lembra-me o mar, a segunda o sol. Gosto naturalmente de sol: da estrela e da clave de sol. Gosto de espectáculo. De dar espectáculo, de ver espectáculos, de dizer: «És um espectáculo!», de gritar «espectáculo» sempre que marco um ponto no volley. Gosto de chamar alguém de macambúzio, por ser um nome ridículo, por me fazer rir e ter algo de macaco e de búzio no meio. Gosto do lusco-fusco por a palavra ser estranha e condizer com os finais do dia, que eu adoro. A este propósito, gosto do lusco-fusco dos gato fedorento (5, 7 minutos). Gosto de interjeições a acabar em céu aberto como Opá!, Epá!, Anda lá!, Oxalá!, Vá lá!.
São 13, mas não faz mal: talvez as interjeições não sejam palavras ou o macambúzio nem exista.


Palavras de que não gosto

Não gosto de parir (salvo seja, nunca experimentei!), parece-me uma palavra feia, mas talvez não seja. Por me causar dúvidas, não gosto. Não gosto de diapasão. Da palavra nem do instrumento. O professor de música dizia: «Segue o diapasão!» e a frase causava-me náuseas. (Proponho que se diga: «Segue o diapasão!» como quem manda pentear macacos!) Acho infeliz chamar rabanete a uma raiz redonda que nada tem que ver com rabos! E por falar em rabos, detesto todos os nomes que designam os ditos, incluindo rabo, cu, rabiosque e peida. Será que não podíamos arranjar algo equivalente a bunda? Desculpem a rabocada, mas realmente não gosto. Detesto a palavra piscina, parece-me condenada a ser sempre mal dita (maldita): ou fica demasiado feia (pexina) ou demasiado afectada (pis-sina). Porque não mergulhamos antes no tanque? Ou no poço... Não gosto de gosma (lembra-me osgas e centupeias), mas não tenho nada contra pegajoso nem peganhento: parecem-me palavras justas para a qualidade que designam. Acho injusto terem chamado os gnomos azúis de estrunfos. Bem sei que a ideia não foi nossa (o original francês ainda é pior: Les Schtroumpfs, mas até não desgosto da tradução inglesa: The Smurfs). Mas estrunfo é muito mau e eu realmente nunca morri de amores pelos ditos: achava-os uns bonecos estúpidos. Estrunfo soa a gente estúpida. Sendo assim, proponho que se use estrunfo como atributo de ofensa (quer em português quer em francês). Algo do tipo: Espèce de Schtroumpf! Concordo com a Sinapse no que toca o penduricalho, com a Pitucha em relação ao verbo implementar e com a Mulher Aranha quanto ao atributo rançoso. Detesto o adjectivo pudico, principalmente a discussão sobre a correcta pronunciação (púdico ou pudíco?). De uma maneira ou de outra, soa-me sempre a asneirada. Faz-me querer insultar da seguinte maneira: «Granda pudica aquela!». Por fim, e infelizmente, não gosto da palavra alfarrabista e adoro o ofício; tenho aliás imenso respeito pelos profissionais do livro-em-pó. Mas a palavra em si lembra-me sempre alfarrobas e alforrecas, que nada têm que ver com livros.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Ovo, larva e fase adulta

Amadurece atrás do ovo e chama-o «ventre» por uma questão de fé: quer nascer mamífero e sugar o alimento. Nasce e é quase nada: um volume sem metafísica, uma alma sem peso. Querem matá-la e é ela a predadora: olha-os nos olhos e eles hesitam. É pequena e brutal. Tem um projecto de asas nas costas e adivinhamos o sangue de todos os homens no corpo translúcido da virgem. Vem pela noite e o seu voo é sôfrego, sofrido, total. As pernas leves e longas como as bailarinas dos sonhos e o corpo negro, tão negro que a noite nasce mais clara do que antes. Vem pela escuridão e as suas asas são ágeis, delicadas, dedicadas, iguais às das fadas que pousam nas janelas. Vem graciosa e feminina beijar os pescoços dos homens para colher do seu sangue. A boca prolongada numa espécie de bico e é agora uma espécie de ave. Abre a boca e tem dentes, é afinal um mamífero. Chamam-lhe vampira e ela encolhe-se para desaparecer na noite: as mãos cobertas de sangue, o fruto proibido nos lábios. Quando amanhece, ela morre. É uma morte triste e da sua boca escorre o fruto de todos os homens.
Do laço de sangue nasce outro ovo. Ela chama-o «ventre».
Por uma questão de fé.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Conto infantil para adultos: Cadeia alimentar

Naquele jardim vivem animais em harmonia: aves que voam, aves que nadam, répteis, anfíbios e insectos de toda a espécie. E naquele dia, estava uma abelha pousada numa flor quando um gafanhoto saltitão a apanhou em pleno voo. Engoliu-a, claro. Dá-se então a coincidência de vir saltitando atrás do gafanhoto um enorme sapo que lançou a língua esfomeada e apanhou o outro em pleno salto. Atrás do sapo - claro está - vinha a saltar contente um homem chinês que, lançando a confusão, o apanhou com uma só mão. Assustado, soltou o sapo um arroto e da boca saltou o gafanhoto que, abrindo a sua, deixou escapar a abelha que, por sua vez, espetou o ferrão no nariz do chinês. Fugiram todos aos saltos e em alvoroço - chinês, sapo e gafanhoto – os três muito tristes por já não terem almoço. No fim caiu a abelha aos pés da flor e os três saltitões desapareceram.
A flor abriu então as pétalas e riu-se daquele espectáculo. Estava ela nisto e aproximou-se um cágado, encantado com aquele riso. Disse:
- És muito bela!
E antes que a flor respondesse, o cagádo desceu até ela e comeu-a. Devagar. Pétala a pétala.
Curioso!, pensou o cágado, A mim ninguém me come!.
E era verdade. Havia gente que comia tartarugas, especialmente os ovos e as espécies mais carnudas, mas cágados não.
Sentiu-se, de certa forma, pouco saboroso, pouco saboreado, completamente rejeitado pela Natureza. Decidiu acabar com aquilo.
Partiu à procura de outros cágados.
Era o início de outra espécie de canibalismo.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O moleiro

Falava sozinho. Dizia:
- Só o ar importa!
e nisto o Senhor Müller inspirava toda a inspiração do mundo e dizia sentir o ar por dentro, a ventania do corpo. Havia dias de furacão, explicava, e nessas alturas o corpo inchava como um balão, ia com o vento, completamente dominado. Dizia tudo isto e rodava a anca larga.

No fundo do moinho havia um saco e ninguém sabia o que tinha dentro. O Senhor Müller recusava-se a abri-lo e guardava o moinho como um guarda prisional. Dizia que era secreto, mais valioso que os tesouros, que um moleiro tinha mais do que qualquer pirata no mar alto, por interpretar melhor o vento.

O moleiro inspirava até o fim de si mesmo e ficava suspenso, cheio, gasoso, branco como as nuvens. Dizia:
- Só o ar é puro e livre, só o ar viaja pelos corpos, dentro do próprio sangue.
O Senhor Müller era naturalmente louco, mas a sua loucura parecia saudável, fazia-lhe bem ao corpo, não fosse o segredo perturbante do saco.

Claro que na aldeia se falava constantemente daquele mistério e o padre servia-se dele aos domingos, para incentivar o terror a Deus. As crianças diziam que nele (no saco e não em Deus) dormia um monstro e as senhoras benziam-se quando alguém falava no nome da Senhora Müller e sugeria que a pobre mulher estava muito bem embrulhada no saco.
A padeira remexia desconfiada a farinha que vinha do moinho e provava-a antes de fazer a massa. Mas no final, todos comiam do pão, até mesmo o padre e as beatas nas suas metaformoses religiosas de pão que se transforma em corpo.

- O corpo transforma-se em ar!
(Era assim que o Senhor Müller explicava a morte.)

O moleiro morreu no próprio moinho, numa tarde sem vento. Antes de se ocuparem do corpo, os aldeões dirigiram-se ao saco. Era tão pesado que até o próprio padre teve de ajudar os homens a arrastarem-no para a rua. As crianças esconderam-se no moinho e as mulheres, cheias de terror nos olhos e no corpo, agarravam-se umas às outras. E fizeram bem.

Porque quando a boca do saco se abriu, saltaram para o mundo todas as inspirações possíveis, todo o ar imaginado, desde um furacão até às nuvens mais brancas, de formas variadas. Era um espectáculo bonito de se ver aquele, o ar a explodir de liberdade, cheio de cores, texturas e cheiros.

Os aldeões pensaram ter visto um milagre, mas o padre acusou o moleiro de heresia e o assunto foi literalmente enterrado.

O Senhor Müller ainda disse:
- Guardei tudo isto para que nunca nos faltasse o ar!
E algumas pessoas ouviram-no, já que a sua voz andava à solta, a viajar pelos corpos.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Sede

Abriu uma porta do armário, tirou um copo, abriu a torneira. Ergueu o copo cheio como outros erguem o cálice do vinho.
Bebeu. E suspirou.
Limpou a boca com as costas de uma mão e reparou que estavam secas:
a boca e a mão.
Tinha sede. Imensa sede. Bebeu mais um copo de água. Dois copos de água, três, quatro.
- Este copo é pequeno! - concluiu, e atirou-o para o chão.
O copo partiu-se.
Abriu uma porta do armário e tirou uma taça. Achou-a pequena. Tirou uma taça maior, depois outra. Eram todas pequenas. Atirou-as para o chão.
Partiram-se.
Abriu outra porta e tirou um tacho, depois outro. No final, tirou uma panela de pressão. Pousou a panela no lavatório e encheu-a de água. Enquanto esperava, outra espécie de água brotava da boca. Quis beber mas os braços não conseguiam levantar a panela. Debruçou-se sobre o lavatório e sorveu a água com a língua.
Desistiu.
Tirou a panela do lavatório e enfiou nele a cabeça. Abriu a torneira, molhou o rosto e os cabelos. Depois bebeu toda a água que o corpo permitia. Finalmente, fechou a torneira e caiu no chão com o peso do líquido.
Os vidros enfiaram-se no corpo e havia sangue no chão da cozinha. Suspirou e nessa altura reparou que os lábios continuavam secos. Quis levantar-se para beber e não conseguia.
Era uma sede inexplicável, impossível, insaciável.
Arrastou-se até ao lavatório e ergueu-se com a ajuda das mãos. Estendeu a língua por baixo da torneira e saboreou uma gota que caía. Não tinha força para rodar o manípulo, mas tinha sede. Imensa sede.
Uma luta aterradora contra o próprio corpo.
Declarou:
- A sede da minha alma é indomável.
E abriu a torneira.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

História do rapaz que deixou de ver

Uma manhã igual a outras, um pouco mais tímida, mais jovem, mais ingénua. O rapaz dos óculos saiu do metro e começou a subir a Rue de la Loi. De repente, estava ele a seguir com o olhar os carros que vinham do sentido oposto e deixou de ver. O rapaz parou. Esperou. Continuou a andar pela rua, de pés inseguros, seguindo o compasso apressado das pessoas. O rapaz tirou os óculos. Tentou ver e não via. Limpou os óculos com a ponta da camisola. Voltou a equilibrá-los na ponta do nariz. Continuava sem ver. O rapaz estendeu então os braços, tocava nas pessoas fugidias, rodopiava em plena rua. Gritou: Estou cego!
Mas não estava, claro.
O oftalmologista quase diagnoticou um daltonismo estranho, qualquer coisa a ver com o cinzento. Mas depois lá percebeu que se tratava de uma coisa de pele. Mandou-o ao dermatologista. Este também não percebeu a causa daquela cegueira momentânea. Mandou-o para o psicólogo.
Consta que o rapaz dos óculos tinha uma alergia ao nevoeiro.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Incompatibilidades (I)

O homem sobe a rua. De um lado, vivendas atrás de grades. Do outro também. Atravessa a rua mais ou menos a meio. Do lado de lá de um gradeamento, um cão ladra. O homem assusta-se, pula para trás. O cão pula também, mas para a frente, contra o gradeamento. Ladra. Homem e cão não se vêem. O primeiro adivinha espuma no focinho do outro e este fareja-lhe o medo. Ladra outra vez.
O homem insulta: Cabrão!. Depois recompõe-se, ajeita o casaco, faz-se ao caminho. Insulta ainda: Cabrãozão!. O outro fica encurralado na esquina. Ladra.
O homem não gosta de cães. Nem percebe pessoas que gostem de cães. O cão, por seu turno, não percebe cães que gostem de pessoas.
Passam a vida a ladrar!, diz o homem sobre os cães.
O cão diz o mesmo sobre os homens.
Ambos tinham razão.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A leitora

Em certos dias lia um livro inteiro. Não havia um único barulho de fundo naquela sala além do ressonar longínquo do frigorífico e a respiração quase inaudível do televisor em stand by.
Sentava-se no sofá com o café da manhã e inaugurava a leitura. Levantava-se a meio da tarde para comer qualquer coisa. Normalmente pão barrado com uma espécie de queijo. Depois comia uma maçã (descascava-a vagarosamente para um prato de sobremesa, tirava-lhe a pele e os caroços, mordia cada pedaço como se fosse o último).
Continuava a ler. Tinha sobre a mesa de apoio um caderno preto. E uma caneta sobre o caderno preto. Nele apontava certos nomes de personagens, certas frases promissoras. Nunca lia o que apontava no caderno preto. Apontava apenas.
Certo dia, leu um livro sobre uma mulher que, em certos dias, lia um livro inteiro. Era um livro sobre si própria, adivinhou. A história parecia-lhe desinteressante, a personagem também. Pensou: A minha vida é mais interessante na vida real do que no livro. Devia ser ao contrário.
Na narrativa faltava-lhe certas características excepcionais, por exemplo. Pela primeira vez na vida, aborreceu-se e deixou um livro a meio (a um terço, para sermos mais precisos). Concluiu: Não sou suficientemente interessante para um livro.
Preparou-se para sair de casa. Queria comprar outro livro qualquer, mas lembrou-se a tempo que não tinha a carteira consigo. Deixara-a caída no carro, que tinha entretanto emprestado à senhora do terceiro andar.
(Não se importava de emprestar o carro, mas não gostava de emprestar livros.)
Pensou: A realidade tem ficções verdadeiramente estúpidas. Acrescentou: Os livros são tão mais interessantes do que a vida.
Tinha pressa em ler qualquer coisa, por isso pôs-se a ler o caderno preto. A páginas tantas leu: «O pior pecado é não amar» e lembrou-se imediatamente daquele livro de bolso. Disse: José Eduardo Agualusa, como quem diz o nome de Deus e confessou:
Pequei.
Fechou o caderno. Repetiu:
Pequei.
Sentiu o sabor da palavra na boca, saboreou-a como saboreava as maçãs.
Achou-se um pouco mais interessante do que antes. Pegou no livro sobre si própria e leu a contracapa: A história de uma mulher que aprende a amar.
Recomeçou a leitura. Já agora, queria saber o fim.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A planta

O Senhor Adelino casou aos 30. Tinha uma casa, dois filhos, dois automóveis, um cão, um gato, um periquito. Divorciou-se aos 50. A ex-mulher ficou com os filhos, o gato e o periquito. Venderam-se a casa e os automóveis. O Senhor Adelino ficou com o cão. Depois de tudo isto reformou-se. Era novo. O cão morreu no ano seguinte. Abatido.
O Senhor Adelino resolveu então comprar uma planta. Parecia-lhe uma forma de vida fantástica: o silêncio profundo, o segredo alquímico da fotossíntese, a natureza completa no toque fibroso das folhas, a simplicidade da vida. Anunciou para as paredes: Vou comprar uma planta.
A florista da rua tinha orquídeas na montra. O Senhor Adelino considerava-as exuberantes. Uma questão de gosto. Não queria flores, queria uma planta. Verde. Só verde.
Entrou na loja. A florista tinha cara de flor: o rosto muito redondo, o cabelo aos caracóis, volumosos como pétalas. O Senhor Adelino disse: Queria uma planta. Verde. Só verde. A florista olhou-o em silêncio, de cabeça um pouco pendurada para a frente, igual às flores.
No fundo da loja havia uma planta verde, de caule longo e folhas largas, cheias de saúde. O Senhor Adelino apontou. Levo aquela.
A florista baptizou-a com um qualquer nome latino, trouxe-a para o balcão. Tratava-se de uma palmeira de interior. Origem mexicana. O Senhor Adelino achou aquele exotismo interessante.
A florista deu conselhos.
Era uma planta cheia de vitalidade. Muita água. Muita luz. O caule crescia tanto que era preciso mudar de vaso daqui a algumas semanas. Também falou da qualidade da terra. Da quantidade de luz e de sombra. Dos cuidados a ter no Inverno. Dos cuidados a ter no Verão.
O Senhor Adelino decidiu não levar a planta verde. Desculpou-se: Sou incompetente. A florista calou-se. Repetiu: Sou incompetente. A florista pendurou um pouco mais a cabeça. Acrescentou: Para cuidar da vida. Da vida dos outros. Para cuidar da vida em geral.
Voltou para casa. Muita água. Muita luz, muita sombra. O Senhor Adelino bebeu um litro de água e plantou-se no sofá. Se criasse raízes, talvez os seus braços crescessem e nascessem outras mãos, outros braços. Assim talvez as coisas se tornassem mais alcançáveis. O tecto, por exemplo. As nuvens. A vida.
O Senhor Adelino resolveu então comprar um escadote.
Na cozinha havia um espaço entre o frigorífico e o armário. Arrumaria aí o escadote. O Senhor Adelino sentia-se menos incompetente. Anunciou para as paredes: Vou comprar um escadote.
Já dava para chegar ao tecto.