quarta-feira, 29 de julho de 2015

Supergigante no Brasil

O Supergigante chegou ao Brasil.
É verdade.

Foi uma história incrível.
O Edgar ia muito bem a correr numa estrada sempre em frente, que foi dar a outra estrada, que foi dar ao fim de qualquer coisa, e esse fim era o vento e as rochas, e o Edgar correu pelas rochas, contra o vento, contra o chão, contra tudo, entrou pelo mar adentro e continuou a correr, até que, no final das forças, no final do vento, viu um pedaço de areia ao longe, um pedaço de areia a brilhar como uma estrela, como um alarme, como uma saída de emergência, e então ele soube que aquilo não era o fim, mas sim o princípio.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Perder a cabeça

Por vezes, perco a paciência. Perco o sangue-frio. Perco a cabeça.
Logo a seguir perco o comboio.
Também perco objetos.
Alguns objetos existem para se perderem.
Meias, luvas, moedas. Óculos, sapatos. Chapéus, guarda-chuvas. Anéis, brincos, colares.
São objetos perdidos.
Por vezes, reaparecem. Mudam de lugar ou de dono.
Na maior parte das vezes, desaparecem para sempre. Livros, telemóveis, cartões. Cadernos, carteiras, bilhetes.
Eu não perco tempo com as coisas perdidas.
Encolho os ombros e sigo caminho. Digo-lhes adeus ao longe. Um aceno, um beijinho, um abraço.
Os gestos também se perdem.
Eu não tenho apego às coisas perdidas.
Não perco o meu latim. Não perco as estribeiras.
Dou pela falta de um brinco e não sinto pena nem arrependimento.
Sinto uma enorme indiferença. Uma indiferença a perder de vista.
Se calhar ganhei calo com tanta perda, não sei.
A verdade é que só perde quem tem. E eu estou-me nas tintas para os objetos.
Deito tudo a perder.
Uma vez perdi a consciência.
Outra vez perdi a virgindade e nunca mais a encontrei.
Por vezes, perco a cabeça. Perco terreno. Perco a razão. Perco a noção das coisas.
Perco o equilíbrio.
Em certos dias, perco-me de amores. Perco-me num livro.
Sou uma grande perdedora. Mas nem por isso tenho bom perder.
Nunca gostei de perder no Monopólio.
Ainda hoje odeio perder no Sudoku.
Quando jogava vólei, perdia a voz de tanto gritar.
Não gosto de perder o pé. Não gosto de perder a vez.
Infelizmente, já perdi pessoas. É terrível perder pessoas.
Eu tenho mau perder a perder pessoas.
Nos dias bons, perco o medo. Nos dias maus, perco o tino.
Raramente perco o sono. Raramente perco peso.
Quase sempre, perco a vergonha.
Nem sempre é mau perder a vergonha. Por vezes, é bom. É bem melhor.
Sempre se ganha alguma coisa quando se perde.
Talvez juízo.
Talvez experiência.
Sei lá.
Pode ser que sim.
Por vezes, perco o norte. Perco o fio à meada. Perco-me em divagações.
Mas não perco pitada.
Não perco pela demora.
E nunca perco a esperança.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Supergigante no Plano Nacional de Leitura

Todos os anos, o Plano Nacional de Leitura atualiza as listas de obras recomendadas para orientar os educadores e professores na escolha dos livros mais adequados aos seus alunos.
A partir do próximo ano letivo, o Supergigante passa a fazer parte dos livros recomendados para leitura autónoma no 3.º ciclo.
O Edgar desatou a correr!
É um miúdo um bocado irrequieto.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Planeta Tangerina em exposição

Nos próximos tempos, se passarem por Coimbra, não deixem de ver a exposição do Planeta Tangerina. Eu ainda não fui, mas espero ir!
Em baixo, o convite.


O Planeta Tangerina pode ser visitado em forma de exposição no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. A exposição, que estará patente até ao próximo dia 23 de outubro, desvenda alguns aspetos dos bastidores do trabalho de criar livros, desde os esboços e experiências ao nível das ilustração, aos originais e maquetas que dariam origem aos livros. Aqui se mostram também as hipóteses que estiveram em cima da mesa — as capas, os letterings, os formato e até os projetos que não avançaram — assim como as edições que viajaram para outros países, com outras capas, outros alfabetos,
outros acabamentos.


A exposição é uma iniciativa do Colégio das Artes, uma unidade da Universidade de Coimbra que opera no âmbito da Arte Contemporânea numa perspetiva transversal aos vários domínios do saber artístico.

 

A exposição pode ser visitada de 2.ª a 6.ª feira entre as 14 e as 18 horas.
Colégio das Artes da Universidade de Coimbra
Largo D. Dinis · Coimbra

terça-feira, 7 de julho de 2015

Referendo, Peripécia e Catarse

Os gregos disseram Não.
Não se sabe bem a que disseram Não.
À Europa?
Não.
À austeridade?
Também não.
No entanto, o Não transmite uma mensagem que é, de certa forma, positiva. É, não é?
Talvez.
O Não é um símbolo.
Há aqui uma certa dramatização da negação, uma representação, um teatro da escolha.
A escolha de quê?
Não sabemos.
Apesar disso, acho bem que os gregos tenham dito Não. É preciso não ter medo do desconhecido.
Se me dessem a escolher, também diria Não. A quê?
A isto. A esta Europa.
À austeridade.
Infelizmente, os dirigentes gregos vieram a Bruxelas sem um plano.
Porquê?
Ninguém sabe.
Só eles saberão.
Li há pouco-poucochinho que o Tsipras trouxe uns apontamentos escritos num bloco de hotel.
Quem é afinal o protagonista deste impasse?
A propósito do medo e do teatro, fui revisitar a Poética de Aristóteles, o texto milenar que veio definir os géneros literários.
Diz-nos Aristóteles que a tragédia grega - género superior da arte poética - é uma imitação das ações e da vida, e não uma imitação dos homens. Ou seja, vive dos acontecimentos; não das personagens. Ainda assim, as personagens têm de ser nobres. Só é possível sentirmos compaixão por pessoas boas, de conduta exemplar.
Se a atualidade na Grécia e na Europa fosse um texto poético, o referendo grego - ou a imitação do referendo - seria o acontecimento; os gregos - dirigentes e cidadãos - seriam as personagens. A bem desta tragédia, partiremos do princípio de que tanto os gregos como os troianos são personagens nobres, de conduta exemplar.
Os demais europeus são, pois, espectadores entusiasmados e também figurantes. Alguns entre eles são, claro está, protagonistas, igualmente nobres e exemplares.
Brevemente ficaremos a saber se esta peça sofre uma reviravolta.
É que a tragédia grega só se concretiza com uma peripécia capaz de transformar os acontecimentos no seu oposto.
No caso, talvez o Não dos gregos se tranforme num Sim. A quê?
Não sabemos.
Talvez à Europa.
Talvez à austeridade.
A verdadeira tragédia ocorre com o reconhecimento da peripécia ou reviravolta, ou seja, quando a personagem passa da ignorância para o conhecimento.
Neste momento, somos todos ignorantes.
No final, quando percebermos o resultado de tudo isto, se estivermos perante uma verdadeira tragédia grega - género superior da arte poética - os gregos cairão em desgraça pelas suas próprias mãos e os europeus darão provas de compaixão e temor. Só este sofrimento, esta empatia, este medo, nos levará à catarse. Ou seja, à purificação da alma através do delírio. Ao domínio das paixões. À clarificação do intelecto.
Desta tragédia talvez a Europa saia mais forte. Mais pura. Mais esclarecida.
Ou isso, ou ficará tudo na mesma. Isto é, na linha do declínio, com tendência a piorar.
É possível. É até provável.
Nesse caso, todo este texto seria um péssimo exemplo de arte dramática. Sem peripécia, não há catarse.
Seja como for, parece-me que a Europa precisa de mais poesia. De mais lirismo.
E de menos técnica.
Eu digo Sim aos gregos.
À peripécia.
E à catarse.

sábado, 4 de julho de 2015

Belgavista aos 8 anos

O Belgavista é um mole.
Não tem esqueleto por fora nem por dentro.
Quando se assusta, larga tinta.
Tem uma cabeça e oito braços ou oito pernas, não dá para perceber.
Vive no fundo do mar. Sozinho. Dentro de uma gruta.
Por tudo isto, este blogue parece um polvo, mas não é um polvo. Também não é um molusco.
É um monstro marinho.

Faz oito anos hoje.
Oito anos, oito braços, oito pernas.

O monstro Belgavista agradece a todos os leitores que passam pela sua gruta.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

As casas abandonadas

A narradora deste texto caminha e passa por casas abandonadas.
Uma. Duas. Três. Quatro.
Casas que não são casas.
São cascas. São crostas.
Vestígios.
Ninguém mora ali.
Nem sequer um objeto.
Nem sequer um gato.
Nem sequer uma planta.
Têm janelas ocas. Paredes esgaravatadas.
São casas sem conteúdo.
Vazias. Desabitadas. Sozinhas.
Por vezes, vêm os guindastes.
Os guindastes e os homens de capacete.
Arrancam os telhados. Os vidros. As varandas.
De repente, uma lacuna.
Um buraco entre as casas.
Um pedaço de céu.
A narradora deste texto interrompe a marcha e o pensamento.
Observa a demolição das casas.
É um intervalo na sucessão dos dias. Um hiato. Um lapso.
Uma ferida aberta.