sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A vida não é uma mãe e um filho

O nosso tempo chegou ao fim. Eu e ele desunidos, desenlaçados, desconjuntados. Partidos ao meio. 
Ele vai por ali, eu vou por aqui. Ele vai para sul e eu para norte. 
Cada um no seu canto. Cada um na sua. E não está nada mal assim. 
A vida não é uma mãe e um filho. A vida não é um colo e uma chupeta. A vida são as mães, os filhos, as chupetas e tudo o resto. Buzinadelas, constipações, antibióticos. Balões, bigodes, guindastes. Quartos de banho, quartos de hotel. Salas de cinema, salas de reunião. Dores de cabeça, dores de dentes. Lentes progressivas, ovos mexidos. A vida é uma confusão do caneco. 
Estou no café de sempre a comer precisamente ovos mexidos e sei que vou ter saudades desta solidão a dois. Vou ter saudades deste bebé que ele é, que ele foi, que ele será sempre. Do interesse eufórico por este mundo tão grande. Da alegria simples de estar vivo entre as coisas vivas. Da bisbilhotice espontânea: abrir uma gaveta, rasgar uma folha. Da sua felicidade a olhar para o espelho, a lamber uma parede, a enfiar a mão na sopa. 
Estou aqui feita mãezinha de cotovelos apoiados no parapeito da vida, a contemplar o passado e a projetar o futuro. Eu penso na alegria fácil do meu filho e pergunto-me em que momento é que isto acaba. Em que momento acabou para todos nós. Em que momento nos transformamos nestes macambúzios muito crescidos, que já não se riem para o espelho, já não lambem as paredes, ficam só assim muito parados e circunspectos, tão fartos da vida e do mundo, tão cansados, tão chatos, tão convencidos de que já vimos tudo, já sentimos tudo e nada nos move, nada nos abana. Montanhas, praias, cidades. Comboios, bicicletas, telhados, varandas. Farmácias, hotéis, garagens. Jurisprudência, concorrência, orçamento de Estado. Normas de segurança, regras de trânsito, cartões de crédito. 
Em que momento acaba a alegria e começa o cinismo. 
Eu penso no meu filho e só espero que este mundo venha devagarinho, a gatinhar. Cachecóis, faturas, parquímetros. Anexos, certidões, imóveis. Manuais escolares, recibos verdes, vinho branco. Sacos de plástico, calças de ganga, portas de embarque.
Acima de tudo, espero que não lhe falte o colo da mãe sempre que lhe bater o cansaço e o tédio, porque lhe vai bater o cansaço e o tédio. E o colo da mãe pode dar jeito.
Nunca mais vamos andar pendurados um no outro horas a fio. Dias a fio. Meses a fio. Isso é claro. É certo. É indubitável. 
Mas esta vida também é feita de ternura e miminhos. Este mundo às vezes esquece-se disto. Que a vida também é uma mãe e um filho. 
Se calhar estamos só a precisar de um abraço.
Eu cá estou.

domingo, 9 de setembro de 2018

Eu Sou Eu Sei no "Todas as Palavras"

No sábado, o episódio do "Todas as Palavras" na RTP3 acabou com um livro meio tímido, de poucas palavras. Eu ai, eu ui!


Nas palavras de Inês Fonseca Santos (na imagem): "Este livro é um jogo de linguagens, como é também um jogo de palavras, para melhor compreender o jogo da vida e os momentos em que as experiências da vida cabem dentro das palavras. Crescer, afinal, é também isso. É a soma das conquistas que preenchem estas páginas, em que tudo é verbo."

O episódio pode ser visto na íntegra na RTP Play (a entrevista a Jerónimo Pizarro sobre Fernando Pessoa vale bem a pena): https://www.rtp.pt/play/p4253/todas-as-palavras.