quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A ideia, a paixão e a cria

E então reparo que a rua se chama Darwin, por isso fico a matutar nessa coisa da evolução das espécies. Na lei do mais forte. Na seleção natural.
O sol nas minhas costas, o carrinho à minha frente.
Olho para a minha cria, que dorme. Bochechas por todo o lado. Um queixo igual ao do pai, um nariz igual ao meu.

Ei-lo. 
O meu filho. O mais forte.


E há em tudo isto uma narrativa qualquer: o Darwin, o sol e a cria. Mas eu ainda não sei que narrativa é essa, por isso presto atenção. 
O café de esquina chama-se Ici. Abrando o passo. Gosto do nome. Gosto de esquinas. Gosto do menu. 
Aponto na cabeça: Aqui é um bom lugar.
Depois passamos na padaria de sempre, no Pain Quotidien, e damos com este letreiro à porta. Tiro uma fotografia. A ideia, a paixão e a cria.


Fazemos um desvio só para ver a montra do Typographe. Blocos, cartões, canetas, agrafadores. Tudo em tons de vermelho. Um postal de pé, a dizer Toi et moi. Um postal deitado, que diz Amour. Um caderno chamado Love. Um estojo vermelho. Letras douradas: Keep my secrets.
A minha cria acorda com fome, por isso vamos para casa.
Passamos por uma loja chamada inattendu. Passamos por uma mulher muito gorda, que vem a arfar na rua. Passamos por um homem muito sujo, que nos pede dinheiro, os dentes podres. Empurro o carrinho com mais força e acelero o passo. Quero fugir da pobreza e da sujidade. A seleção natural.
Penso no tal letreiro.
Não tenho grandes ideias, mas tenho paixão de sobra.
Eu sou do fogo. Do apego. Do afeto.
As árvores muito despidas de tudo. A minha sombra deitada no passeio, muito comprida. O sol atrás e a minha cria à frente. Toi et moi. Amour. Uma narrativa qualquer.
Tenho as costas quentes e as mãos frias.


Aqui é um bom lugar.