segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Cache-cache


Cascais. Aqui estamos os cinco. 

Vento, sol e buganvílias. 

Uma gaivota guincha, um cão ladra e eu faço 39 anos. 

Perco-me a caminho do mini mercado. Perco-me a caminho do restaurante. Quando cá vivia também era assim: perdia-me facilmente. 

Desço a rua da Panisol e lembro-me. Eu a descer esta mesma rua quase sempre sozinha, quase sempre empolgada, a caminho da estação, do café, da praia, da casa de alguém. 

Passo pelo cabeleireiro onde, aos 13 anos, cortei o cabelo à rapaz. Passo pelo centro comercial onde furei as orelhas. 

Jardim Visconde da Luz, Galileu, Santini, McDonald’s, estação. Passo por todos estes lugares sem pertencer a nenhum deles. 

Caminho no espaço como se caminhasse no tempo. Primeiro ciclo, segundo ciclo, terceiro ciclo. Secundária, universidade.

O meu filho mais velho tenta dizer o nome da minha vila. Diz: “Cache-cache”. 

Ando pelas ruas com a sensação de que não vou inteira, de que ainda não cheguei completamente, apesar de ter chegado há mais de uma semana. 

Um comboio parte. Ficamos a vê-lo passar. 

Tiro os óculos escuros para ver melhor. Tiro a máscara para respirar melhor. Mas não chego a sentir qualquer coisa que devia estar a sentir. O alívio. A euforia. A consolação depois da saudade. 

O que se sente depois da saudade?

Chegamos à praia da Conceição.

Os meus filhos brincam na areia. O homem da minha vida também. Já ninguém joga vólei na praia. O bar Brisa ainda existe.

Vou até à água. A espuma das ondas toca nos meus pés e qualquer coisa desperta em mim. O frio. A pele. A existência. 

No momento em que mergulho apercebo-me de que uma parte de mim esteve sempre ali à minha espera, de que uma parte de mim afinal não vinha a caminho. Cache-cache.

Eu nunca hei de ser inteira, real, completa. Serei sempre a menina perdida. 

Estou de passagem. A mergulhar na água. A apanhar o comboio. A descer a rua.

Sou estrangeira. Vou a caminho de um lugar qualquer. E não sei de que terra sou.