sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Um homem corre para o metro.

Um homem corre para o metro. O cabelo grisalho e uma calva redonda no cocuruto. Não tem idade para correr nem muito jeito para isso, mas corre na mesma: está com pressa. Pela mão traz uma mala de pele ou a imitar pele, ligeiramente puída, talvez professor de matemática ou vendedor de livros por catálogo. O metro está parado há coisa de cinco segundos, mas o homem ainda não chegou à plataforma. Por isso, corre. Galga agora os degraus da escada rolante, dá um pequeno encontrão numa senhora muito gorda, pede desculpa verdadeiramente arrependido, a senhora parece perdoá-lo. As portas do metro já assobiam, começam agora mesmo a fechar-se e o homem, que tem pernas e braços compridos, tira partido das pernas e dos braços compridos e lança a mão vazia para uma das portas, na esperança de parar o movimento ou o tempo ou coisa que o valha. Infelizmente as portas continuam a fechar-se até que se fecham mesmo. A mão do homem fica exactamente a meio: os cinco dedos dentro do metro e o resto da mão do lado de fora. As portas não voltam a abrir, a enorme carruagem não anda para a frente nem para trás. O homem ali fica especado, a mão entre uma coisa e outra. O condutor do metro não presta atenção a nada disto. De outro modo, abriria as portas agora mesmo. Os passageiros olham atónitos para os dedos pendurados na porta. Do lado de fora, as pessoas mexem-se alvoraçadas como pombos. Por fim, e para horror dos que assistem, o metro parte. Os passageiros amotinam-se, começam a esbracejar e a gritar. O homem de cabelo grisalho não tem outro remédio: corre pela plataforma com o metro que avança, levado pela própria mão. Alguns passageiros correm atrás dele. O homem de cabelo grisalho e calva redonda no cocoruto não tem idade para correr nem muito jeito para isso, mas corre na mesma. Felizmente, a senhora muito gorda está de costas para o homem que corre na sua direcção. Além de muito gorda, é completamente surda, não sabe o que se passa.
A colisão brutal entre os dois corpos foi o que bastou para salvar o homem e a sua mão. Homem e mulher caem no chão como dois amantes.
Um tratamento de choque.
Para onde iria o homem com tanta pressa? Jamais saberemos.