sexta-feira, 24 de julho de 2009

Teoria da Revolução das Espécies

O professor Alberto Gago e Esperto é antropólogo de formação mas, para sobreviver, trabalha como outra coisa qualquer. Nos tempos livres dedica-se, contudo, à observação disciplinadíssima de pessoas seleccionadas ao calhas. Um exemplo clássico desta sua actividade como antropólogo é sentar-se num restaurante e ficar a observar um casal qualquer. Durante um longo período de tempo, o professor Alberto Gago e Esperto tira imensas notas e, caso haja informações relevantes, persegue o casal durante horas, se não mesmo dias ou semanas ou meses. Casos houve em que prolongou a sua observação durante anos, seguindo as pessoas escolhidas de carro ou a pé, no metro, no autocarro ou até de bicicleta. Por vezes entrevistava as suas pessoas de laboratório, interrogava-os à porta de casa, observava as suas línguas, apalpava as suas glândulas salivares, testava os seus reflexos.
Para o ajudar na sua difícil tarefa, trazia vários instrumentos enfiados numa mala de pele rectangular: um par de binóculos, uma máquina de filmar, um gravador de voz, um iPhone, um computador portátil, uma máquina fotográfica, um estetoscópio, um esfigmomanómetro, um bloco de notas A4, meia dúzia de canetas BIC e um enorme arquivo com o historial dos seus humanos. O professor Alberto Gago e Esperto passou anos nisto (na verdade, décadas) e queria agora publicar um livro com a sua teoria da evolução das espécies que, segundo nos conta, vai mais longe que a de Darwin. Isto porque, desde a Guerra Fria, o ser humano estava a viver um momento único na sua evolução. Os olhinhos do professor Alberto Gago e Esperto brilharam quando disse estas palavras.
Na sequência da sua observação, tinha reunido dados suficientes que permitiam concluir que o ser humano estava, não a evoluir, mas sim a regredir. Ou seja, a evoluir "ao contrário, para trás". Claro que a regressão era, também ela, uma evolução, pelo que o professor Alberto Gago e Esperto intitulou a sua teoria, não de regressão, mas de revolução.
Para este antropólogo, os factos estavam à vista de todos. Os seres humanos andavam cada vez mais corcundas e tinham feições cada vez mais feias, bastava andar pelas ruas das capitais europeias para perceber isso. As mulheres de hoje tinham visivelmente muito mais pêlos do que antigamente e os homens recomeçavam a comer de boca aberta e eram cada vez mais agressivos. No curto espaço de meio século, era possível ver toda esta regressão (ou melhor, revolução). As próprias classes dirigentes andavam mais animalescas. As trombas do presidente iraniano e os cornos de Manuel A. A. Pinho ilustravam claramente esta tendência. Na sua opinião científica, era possível que, nas próximas três gerações, nascesse o primeiro australopiteco. Isto porque a revolução das espécies se estava a dar muito mais rápido do que a evolução. As pessoas eram cada vez menos inteligentes e tomavam atitudes cada vez mais irracionais.
No final desta conversa, o professor revelou uma outra hipótese ainda por comprovar. O professor Alberto Gago e Esperto previa que, no futuro, o ser humano menos sapiente fosse domesticado por uma espécie mais inteligente. Os sinais de hoje pareciam apontar nesse sentido: as pessoas já não tinham ideologias mas queriam seguir quem as guiasse, além de que eram cada vez mais carentes e desorientadas. As observações do professor sobre os acessórios femininos são também extremamente perspicazes no atinente à domesticação da espécie humana1.
A pergunta que se coloca é saber quem será a espécie domesticadora. Mas esta teoria, promete o professor Alberto Gago e Esperto, ficará para um outro livro.
É, pois, com impaciência que aguardamos a publicação desta revolucionária Teoria da Revolução das Espécies.

1 "As mulheres ocidentais do século XXI cobrem os pulsos de pulseiras que tilintam com qualquer movimento do corpo. Ora, o som destas pulseiras é muito semelhante ao dos chocalhos das ovelhas. Não me parece que esta semelhança seja uma coincidência."