sexta-feira, 3 de julho de 2009

A casa (VI)

O Belgavista faz 2 anos amanhã.
E eu resolvi mudar o papel de parede.

Acordava de manhã e nem sempre a casa lhe parecia igual. O chão estava, por vezes, muito inclinado e as janelas um pouco mais estreitas. Para se certificar de que aquela era a sua casa, cheirava as paredes e reconhecia nelas as memórias de outras casas, de outras cómodas, de outros espelhos, candeeiros, cadeiras, livros.
Não era bom tocar nas paredes logo pela manhã, eram muito frias.
Ideia: Um dia haveria de comprar um papel de parede para o seu quarto.
Imaginou todas as formas, todos os desenhos.
Ideia: Ou então talvez bastasse pintar as paredes de várias cores.
As cores do arco-íris, as cores primárias, as cores do mar.
Depois desistiu de todas estas ideias, continuou a cheirar as paredes.
Tinha medo de subir o escadote e o tecto do seu quarto era muito alto.
Resolveu comprar um quadro. O filho de um quadro. Um pedaço de um quadro. Só não sabia qual. Não gostava especialmente de nenhum artista, mas sim de alguns quadros de determinados artistas.
Naquela sexta-feira, foi ao centro da cidade e, inesperadamente, apaixonou-se. Por um homem sem rosto, atrás de uma maçã, um filho de outro homem. Gostava, acima de tudo, do chapéu do tal homem atrás da maçã, tentava adivinhar o seu rosto. Comprou, naturalmente, uma reprodução daquele quadro.
Colocou-o na parede virada a Norte e contemplou-o durante várias horas.
Estava deveras apaixonada pelo homem atrás da maçã, por isso abraçava-o.
Depois começou a falar para as paredes.
E nunca mais saiu de casa.