No Sábado, o senhor do fundo da rua desceu a rua, foi almoçar fora e quando voltou, não sabia onde morava. Era um senhor muito jovem, filho único, divorciado, trabalhador por conta de outrem. Dir-se-ia que a sua intuição era boa pois não estava longe do seu prédio e a sua intenção era ainda melhor porque começou a bater à porta dos vizinhos sem pudor nem receio. Mas infelizmente, naquele bairro ninguém se metia na vida alheia porque, verdade seja dita, ninguém queria saber de ninguém e nenhum vizinho sabia ao certo onde morava o senhor do fundo da rua.
O acontecimento era verdadeiramente estranho, porque o senhor lembrava-se de tudo o resto. Começou a exercitar a memória e sabia quase tudo: o preço do café no café da rua, o horário de funcionamento, o sabor a ferrugem da água da torneira, até o nome da empregada e da filha da empregada. Chamavam-se as duas Joanas e a Joana-mãe ria-se muito alto. Quando lhe contou o sucedido, a Joana-mãe ria-se às gargalhadas, batia com as mãos nas pernas, dobrava-se ao meio com uma flexibilidade impossível. "Beba lá um café que já se lembra", mas o senhor não se lembrou.
A Joana-filha era já uma adolescente em idade avançada ou pelo menos portava-se como tal. Ria-se baixinho e andava devagar como as mulheres verdadeiramente adultas. Estendeu um caderno da escola ao senhor do fundo da rua e uma caneta muito trincada com uma tampa disforme devido à violência dos dentes contra o plástico. Disse: "Escreva um número de telefone que saiba de cor e depois ligue daqui a perguntar onde fica a sua casa". O senhor não pensou logo no carácter absurdo daquele telefonema. Pelo contrário, pareceu-lhe uma ideia de tal forma genial, que se concentrou na tarefa e desatou a escrever algarismos de forma convulsiva: o número de conta, o número da segurança social, o código postal, o número de bilhete de identidade, o código secreto do cartão multibanco, o PIN do telemóvel, a data de nascimento do filho e, de repente, um número de telefone. Mostrou o papel orgulhoso e a Joana-mãe ligou entusiasmada. Passou o telefone ao senhor do fundo da rua mas ficou do seu lado, ouvindo a conversa.
A ex-mulher atendeu e o senhor apercebeu-se de que a sua voz não tinha mudado em anos, era uma voz em estado puro, sempre tão impenetrável, impermeável, imperdoável. Teve vergonha da sua própria voz por isso não falou logo, mas a Joana-mãe bateu-lhe com força nas costas e ele tossiu as palavras. Disse com a voz dorida: "Não sei para onde ir!". As Joanas entreolharam-se incrédulas, não era uma boa maneira de começar o discurso. O senhor do fundo da rua apercebeu-se a tempo do seu ridículo e desligou o telefone. Ficaram em silêncio.
Não tinham passado 10 minutos. Certamente 5 e, com alguma probabilidade 7, mas não tinham passado 10 minutos. O senhor descia a pé e a ex-mulher subia de carro, encontraram-se a meio da rua. A ex-mulher saltou do carro num segundo como uma rã que abandona um nenúfar. Olharam-se estupefactos, há anos que não se falavam. Tinham-se encontrado 3 vezes por causa de assuntos familiares (ela dizia asneiras entre dentes, ele trincava a língua, os dois davam pontapés nas mesas, acenavam cordialmente à distância). Agora ali estavam, frente a frente, sem pretextos familiares nem o filho único, o único elo entre os dois. Ela disse: "Eu também não" e, sem darem por isso, beijaram-se. Queriam esconder-se e enfiaram-se um no outro, era uma reacção mais ou menos normal. O senhor do fundo da rua lembrou-se de repente da sua morada. Repetiu-a de si para si enquanto subiam a rua e sentiu-se aliviado quando a chave rodou na porta. Entraram em casa e não saíram durante muito tempo, embora este dado seja questionável, pois naquele bairro ninguém queria saber de ninguém e consequentemente não se sabe ao certo a que horas desceram à rua.
O acontecimento era verdadeiramente estranho, porque o senhor lembrava-se de tudo o resto. Começou a exercitar a memória e sabia quase tudo: o preço do café no café da rua, o horário de funcionamento, o sabor a ferrugem da água da torneira, até o nome da empregada e da filha da empregada. Chamavam-se as duas Joanas e a Joana-mãe ria-se muito alto. Quando lhe contou o sucedido, a Joana-mãe ria-se às gargalhadas, batia com as mãos nas pernas, dobrava-se ao meio com uma flexibilidade impossível. "Beba lá um café que já se lembra", mas o senhor não se lembrou.
A Joana-filha era já uma adolescente em idade avançada ou pelo menos portava-se como tal. Ria-se baixinho e andava devagar como as mulheres verdadeiramente adultas. Estendeu um caderno da escola ao senhor do fundo da rua e uma caneta muito trincada com uma tampa disforme devido à violência dos dentes contra o plástico. Disse: "Escreva um número de telefone que saiba de cor e depois ligue daqui a perguntar onde fica a sua casa". O senhor não pensou logo no carácter absurdo daquele telefonema. Pelo contrário, pareceu-lhe uma ideia de tal forma genial, que se concentrou na tarefa e desatou a escrever algarismos de forma convulsiva: o número de conta, o número da segurança social, o código postal, o número de bilhete de identidade, o código secreto do cartão multibanco, o PIN do telemóvel, a data de nascimento do filho e, de repente, um número de telefone. Mostrou o papel orgulhoso e a Joana-mãe ligou entusiasmada. Passou o telefone ao senhor do fundo da rua mas ficou do seu lado, ouvindo a conversa.
A ex-mulher atendeu e o senhor apercebeu-se de que a sua voz não tinha mudado em anos, era uma voz em estado puro, sempre tão impenetrável, impermeável, imperdoável. Teve vergonha da sua própria voz por isso não falou logo, mas a Joana-mãe bateu-lhe com força nas costas e ele tossiu as palavras. Disse com a voz dorida: "Não sei para onde ir!". As Joanas entreolharam-se incrédulas, não era uma boa maneira de começar o discurso. O senhor do fundo da rua apercebeu-se a tempo do seu ridículo e desligou o telefone. Ficaram em silêncio.
Não tinham passado 10 minutos. Certamente 5 e, com alguma probabilidade 7, mas não tinham passado 10 minutos. O senhor descia a pé e a ex-mulher subia de carro, encontraram-se a meio da rua. A ex-mulher saltou do carro num segundo como uma rã que abandona um nenúfar. Olharam-se estupefactos, há anos que não se falavam. Tinham-se encontrado 3 vezes por causa de assuntos familiares (ela dizia asneiras entre dentes, ele trincava a língua, os dois davam pontapés nas mesas, acenavam cordialmente à distância). Agora ali estavam, frente a frente, sem pretextos familiares nem o filho único, o único elo entre os dois. Ela disse: "Eu também não" e, sem darem por isso, beijaram-se. Queriam esconder-se e enfiaram-se um no outro, era uma reacção mais ou menos normal. O senhor do fundo da rua lembrou-se de repente da sua morada. Repetiu-a de si para si enquanto subiam a rua e sentiu-se aliviado quando a chave rodou na porta. Entraram em casa e não saíram durante muito tempo, embora este dado seja questionável, pois naquele bairro ninguém queria saber de ninguém e consequentemente não se sabe ao certo a que horas desceram à rua.