sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O Daniel é um carrossel

Tem quase um metro de altura. Tem olhos grandes. Pés grandes. Um cabeção. Um vozeirão.

Gosta de leite com cereais. Pão com manteiga. Arroz com ervilhas.

Tem um trator verde. Uma escavadora amarela. Uns ténis azuis. 


Já não usa fralda. Já não lambe o espelho. Calça os sapatos sozinho. Veste o casaco, põe a mochila às costas.


Dorme com chucha e com um macaquinho. Dorme a noite inteira.


Gosta de livros. Gosta de carros. Gosta de bigodes.


Vai à escola. Vai ao parque. Vai ao mercado.


Gosta de andar no carrossel. Gosta do senhor do acordeão. Gosta de batata frita.


Adora buracos. Aponta para os aviões. Aponta para as bandeiras.


Diz: “O piano não é flauta.”

“O morango não tem caroço.”

“O sol não tem pneus.”


Tem uma certa tendência para bronquites. Tem uma certa obsessão por comboios. Carris, pantógrafo, locomotiva, TGV.




Partiu um dente. Não sabemos como.


Quando ouve música, identifica os instrumentos. Guitarra, bateria, harmónica, trompete. Gosta de Dire Straits. De Rádio Macau. De Glenn Miller. 


Salta do sofá para o chão. Corre pela casa. Entorta os olhos.


Faz cambalhotas. Faz grandes birras. Faz festinhas no meu cabelo.


Tem uma preferência óbvia pelo pai. Tem ciúmes dos irmãos. Bate-lhes. Abraça-os. Empurra-os. Grita com eles. Ri-se com eles. Imita-os. Chama-os.

Atira-se para o chão. Diz: “Mamã, o Daniel é pequenino.” Pego nele. Embalo-o como se fosse um bebé.


Pede para ligar aos avós. Pede para ligar aos tios.


Gosta de ver passar o camião do lixo, o camião dos bombeiros, o carro da polícia, a ambulância.


Gosta de tudo o que gira e roda. O carrossel. A roda gigante. Os volantes. As tampas com rosca. A máquina de lavar roupa, a hélice do helicóptero, o moinho de vento, o gira-discos, o pião, o escorredor de salada, os frangos no espeto, as rodas dos carros, as ventoinhas, os bonequinhos da caixa de música. 


Gosta de girar como as coisas que giram. 

No outro dia disse: “O Daniel é um carrossel”. E girou, girou, girou. Depois parou. Disse: “O carrossel está tonto.”


Anda por aqui há três anos. A girar, a girar, a girar.

Às vezes parece muito crescido. Às vezes parece muito pequenino. 


Andamos neste amor há muito tempo. Há pouco tempo. A girar, a girar, a girar. Para todo o sempre. E eu sinto-me muito tonta e muito crescida. E também muito pequenina.