quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Papel, canetas e escrita

Há várias coisas que me irritam. Uma é passarem-me à frente na fila; outra é ter vontade de escrever (o que implica tempo, espaço e energia) e não ter à mão um pedaço de papel ou uma caneta.
Esta situação irrita-me de tal maneira que se me rebentam na cabeça palavras zombeteiras como bombinhas de Carnaval e eu cerro os olhos e os punhos com muita força, ranjo os dentes. Fico assim durante horas. Nas semanas seguintes, esta irritação de pele fica a morar nos meus dias e nos meus sonhos, é insuportável. Não quero que esta situação se repita, acordo encharcada em suor durante a noite, faço tudo ao meu alcance para que nunca me falte papel nem canetas nem escrita.
(Nada me parece mais importante do que papel, canetas e escrita. É ridículo.)
Durante esse período de prevenção, compro, por exemplo, um caderno de argolas e folhas pautadas ou uma caneta azul Stabilo 0.4, uma esferográfica preta Staedler triplus ball M, uma caneta mais clássica, mais cara, talvez uma Sheaffer maneirinha, um diário de capa dura e folhas lisas, um caderno ainda mais pequeno, muito engraçado, com um elástico à volta para andar na bolsinha mais pequena da mala, uma caneta minúscula para trazer dentro da agenda, uma agenda com páginas em branco no fim, um exemplar amarelo de uma edição especial da Moleskine com o Pac Man, coisas assim. Além disso, colecciono folhas de rascunho no escritório, folhas de rascunho em casa, faço cadernos pequeninos com folhas velhas, compro cadernos reciclados porque são reciclados, uma caneta bonita porque é bonita, uma caneta simples porque é simples, uma lapiseira porque é uma lapiseira.
Por vezes, quando mudo de mala reparo que andava a passear cinco canetas e três cadernos. Reparo também que, durante um período de tempo desconhecido, não utilizei nenhuma das canetas nem nenhum dos cadernos para o efeito devido. Começo, por isso, a desistir das canetas e dos cadernos um a um: este caderno foi ao mercado, esta caneta ficou em casa, esta lapiseira comeu rosbife, e assim por diante.
É evidente que, quando chega a vontade de escrever (o que implica tempo, espaço e energia), não tenho um pedaço de papel na mala nem uma caneta. Volto, pois, a cerrar os olhos e os punhos e a ranger os dentes, ouço as tais bombinhas de Carnaval nos ouvidos, talvez solte um gemido ou um guincho; provavelmente um rugido.
Nos dias piores, tenho papel, mas não caneta. Não há nada mais frustrante do que ter papel e não ter caneta. É como ter um cigarro, mas não um isqueiro nem um fósforo nem um pedaço de madeira seco nem coisa que o valha. Escarafuncho a mala à procura de uma resposta, igual aos maluquinhos que vasculham os caixotes do lixo. A eterna esperança no movimento dos braços, risível como uma bombinha de Carnaval, como uma palavra zombeteira.
A título de exemplo, hoje trago um caderno de folhas lisas na mala e uma caneta, mas não me apetece nada escrever.
A propósito de tudo isto, lembro-me do seguinte: O caderno amarelo com o Pac Man continua à minha espera, deitado na prateleira de baixo da casinha dos livros. No entanto, quando o comprei, há cerca de dois meses, parecia não haver no mundo coisa mais urgente do que comprar um exemplar amarelo da edição especial da Moleskine com o Pac Man. (Não fosse a edição esgotar-se e a oportunidade perder-se para sempre.)
Esta recordação do caderno amarelo irrita-me ainda mais do que não ter papel ou caneta.
É como ter mais olhos que barriga.
Mais fama que proveito.
Mais buracos que um queijo suíço.