terça-feira, 19 de maio de 2009

Atracar

Disse: atracar.
E não chegar.
Acercar. Entrar. Voltar. Regressar.
Não.
Disse: Atracar.
E, por isso, imaginou.
Primeiro o verbo.
Depois o corpo. Atracando.
As espias em torno dos pulsos, dos tornozelos, do ventre, o rosto amarrado ao cais, a testa contra o porto (contra os pés do porto), o nariz apertado no pouco ar que afasta o mar da terra.
Nisto um arrepio rolou até ao final das costas.
Um longo arrepio.
Tinha frio, talvez. Ou medo.
(Provavelmente saudade.)
O arrepio instalou-se no final das costas e ficou.
Para sempre.
Rodou um pouco a cabeça e viu, pela proa dos olhos, o bico amarelo de uma gaivota.
(Respirou finalmente o fio de ar entre o mar e a terra.)
Pensou: Não é mau atracar.
E não era.