quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Estantes, livros, nomes, letras


 20 coisas que me ocorreram enquanto reorganizava uma das estantes de livros lá em casa:

1. Há muitos escritores lusófonos com apelidos a começar por A. Jorge Amado, Lobo Antunes, Germano Almeida, Ricardo Adolfo, Djaimilia Pereira de Almeida, Bruno Vieira Amaral.

2. O mesmo com C e P. Couto, Campilho, Cardoso, Cruz, Carvalho, Pessoa, Peixoto, Portela, Pereira, Pires.

3. Há letras sem ninguém. No J só tenho a Lídia Jorge.

4. Há escritores que tratamos pelo nome próprio e outros que tratamos pelo apelido. Mia, Agustina, Camilo, Sophia. Pessoa, Saramago, Camões, Agualusa.

5. A Agustina deve ter sido sempre a número 1 da turma. Devia ser a primeira a ser chamada ao quadro, a primeira a receber as notas. 

6. Não é fácil vir em primeiro mas também não é fácil vir em último.

7. Por exemplo, o Zink deve estar no finalzinho de muitas estantes de livros. “A instalação do medo” enfiada a um canto, na fila de baixo. Parece uma conspiração do próprio livro.

8. Tenho bastantes livros do Valter Hugo Mãe. Li-os quase todos. 

9. Tenho bastantes livros do Gonçalo M Tavares. Não li a maior parte. 

10. É preciso um certo lirismo para ler Valter Hugo Mãe. 

11. É preciso uma certa dureza para ler Gonçalo M Tavares. 

12. Sou bastante lírica.

13. Sou bastante mole.

14. A maior parte dos livros canónicos sobre escrita foram escritos por homens. James Wood, Ray Bradbury, David Lodge, John Gardner, Murakami, Cortázar, Rilke, Vargas Llosa.

15. Ou as mulheres escritoras não percebem muito do ofício ou não têm por hábito dar palpites. Ou até dão, mas ninguém lhes liga nenhuma.

16. Há livros que procuro muitas vezes nas estantes e nunca encontro.

17. Criei uma secção de livros muito procurados. Agora hei de encontrá-los sempre.

18. Exemplos de livros muito procurados e quase nunca encontrados: As tisanas da Ana Hatherly, a Poética de Aristóteles, os cadernos do Camus, todos os livros que o Sendak ilustrou com textos da Ruth Krauss.

19. Um destes livros da parelha Krauss e Sendak chama-se “Uma cova é para escavar”. Desconfio que o próprio livro ande a escavar covas nas estantes para não ser encontrado.

20. Exemplos de frases muito procuradas neste livro: “Uma cara é para fazer caretas.” “Uma porta é para abrir.” “Um livro é para ser lido.”


quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Prémio Jorge Magalhães de Argumento para Banda Desenhada 2021

Eish! Estou assim uma baita jubilosa!

O “Desvio” recebeu uma menção honrosa na edição de 2021 do Prémio Jorge Magalhães de Argumento para Banda Desenhada, que vem homenagear o trabalho de Jorge Magalhães e apoiar os insensatos que escrevem banda desenhada.

O júri contou com uns pesos bem pesados e o vencedor foi a estrela Filipe Melo.

Obrigada, obrigada, obrigada!

https://www.aladoslivros.com/index.php/premio-jm?fbclid=IwAR109WM24TTR5OXiE-4rcJQA3OWAAL5w7oX64bNwixfngyY8XBS1lo7h8wg

sábado, 27 de novembro de 2021

Vida tão breve


Vou buscá-lo à escola. Não me conta nada do seu dia. Diz: “Correr” e sai disparado à minha frente com a sua mochila do foguetão.

Senta-se num banco a comer uma banana, olha para o chão e não para o céu.

Pega numa folha seca. “Que linda folha!”, diz ele.

Aponta para as folhas que cobrem o chão, diz: “São iguais”. Explica-se melhor: “Esta folha é igual a esta e esta e esta.” 

Apanho no seu olhar um indício de tristeza, a perceção súbita da verdade: a nossa existência breve e bela, “igual a esta e esta e esta.” 

Nascer, crescer, cair, morrer.

Há de sofrer, este meu filho. Tem tendência para a reflexão e para o sentimento. 

Às vezes parece mais pequeno do que é, outras vezes parece maior. Faz hoje 4 anos. 

Ainda usa fralda à noite. Ainda dorme de chucha. Ainda dorme com um macaquinho.

Não é um menino expansivo. Não é irrequieto. Não é ousado. Não é barulhento. 

Pelo contrário. 

Fica muito tempo calado. Fica muito tempo a olhar para um livro. Fica muito tempo a olhar para as pessoas que passam. Quase nunca cai.


“Anda jogar às escondidas”, diz ele aos irmãos. Enfiam-se os três no armário da roupa, fecham as portas. Ficam lá dentro a falar numa língua inventada, fartam-se de rir. Há sempre alguém que acaba a chorar porque leva um tabefe ou um arranhão. Ele explica: “Eu bateu porque eu quero o avião”.

Repito a lengalenga do costume, que não pode bater, que tem de aprender a partilhar, pede desculpa ao mano. 

É muito chato ser mãe. Preferia esconder-me no armário.

De repente desata a falar. Coisas um pouco dispersas. A colega da escola esqueceu-se do casaco, a professora não deixa correr na sala, estava frio no recreio. Interrompe o relato para contar as uvas que estão na tigela. Uma, duas, três, quatro, cinco. Fala-me então de um incêndio com muito fogo e muito barulho. “Então e depois?”, pergunto eu. “Depois vieram os bombeiros e o fogo desapaga.”

Nisto salta para cima de mim, enterra os joelhos na minha barriga. Grita: “Eu gosto da minha mamã”.


Corre nu pela casa antes de entrar no banho. Continua a dizer: “A mamã foge de mim”, mas quer dizer precisamente o contrário. Eu corro, ele foge. Sobe para a “cama dos papás”. Pula todo nu. Grita: “Mamã, estou aqui!” E ri-se histericamente à espera que eu o apanhe.


Depois do banho enrolo-o na toalha. Ele diz: “Mamã, sou um bebé” e esconde o rosto atrás da toalha. Eu então conto a história de que uma cegonha me deixou aquele embrulho muito misterioso à porta de casa. “O que será?”, pergunto eu. “Espero que seja um bebé”. E lá vou desembrulhando o menino devagar. “Aqui estão uns pés muito lindos e grandes. Aqui estão uns joelhos muito fortes!” E assim vamos avançando até ao rosto, que ele próprio destapa, os olhos grandes e atentos. “Mas que lindo bebé!”, digo eu espantada. 

Pego nele ao colo, ainda espantada, e lembro-me sempre desse momento inicial, o meu primeiro filho a aterrar-me nos braços. Nu, encolhido, receoso, indefeso.


O meu bebé humano. Filho mais desejado. Menino de verdade.


Vida tão breve.

Amor tão longo.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

A casa não tem céu


A casa não tem céu

O sino não tem pneus

A porta não está aberta

A mala não é amarela

Isto não é uma grua

O carro não tem unhas

Uma flor não é cebola

O bebé não vai à escola

Um piano não é flauta

Um barco não é comboio

Um leopardo não é tigre

A bandeira não está triste

A mota não tem escada

O sol não tem estrada

A Isa não é menino

Tomate não é pepino

O morango não tem caroço

A janela não tem pescoço

A mamã não tem botão

O buraco não tem chão


(Texto a partir das primeiras frases que o meu filho mais velho começou a dizer aos 2 anos e meio.)

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Não: negação, rejeição, proibição

Quando o mais velho começou a falar, tomei nota das primeiras frases. 

No início só dizia frases afirmativas: Está quente. É um menino. A mamã já vem.

Depois começou a aventurar-se na negação. 

Não, dizia ele. 

Não está. Não tem. Não cabe. Não quer. Não pode. 

Muito se exprime com um não. Negação. Proibição. Rejeição. Ausência. Comparação. Exclusão. 

Assim vamos conhecendo o mundo. Sabendo o que as coisas são e também o que não são. O que está e o que não está. O que tem e o que não tem. Porque isto não pertence àquilo. E isso aí não tem disto. No fundo, uma coisa não é outra coisa.

Ao longo de umas semanas fui compondo um texto com essas frases negativas. E esse texto, em vez de “não”, acabou por dizer “sim”, e foi parar ao Contraconto. É o episódio 37 e chama-se “A casa não tem céu”.

https://www.rtp.pt/play/p8294/e579997/contraconto?fbclid=IwAR0jMrJe_6J-K5qPvB1jC5kZlr0HIZma9-ZBZvhLR2TrVhInMQ1Sz681KCU

(Nota: Assino o texto na qualidade de encarregada de educação porque o autor destas frases ainda não sabe assinar.)

Música de Bruno Santos, locução de Eva Barros, produção de Catarina Sobral.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Contraconto nos palcos



O que é isto?
É um bicho? É um risco?
É o quê? 

É um livro! É uma peça de teatro! 

É tudo isso.

O Contraconto fez um flic-flac e saltou da rádio para o palco! 

A rubrica da Antena 2 para os mais novos estará em cena em Algés a 5 e 12 de dezembro.

Não assisti aos ensaios nem vou assistir ao espetáculo, mas fico deste lado a bater barerés de palmas. É muito fixe fazer parte desta turma, bolas!

Informações e bilhetes aqui: https://www.bol.pt/Comprar/Bilhetes/102725-contraconto-teatro_municipal_amelia_rey_colaco/


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Mary John em catalão!


 💫Alegria a rodos!

A Mary John acaba de aterrar na Catalunha.

Ainda agora deu entrada nas livrarias e já me chegam mensagens de jovens leitores, professores, mediadores, jornalistas, livreiros.

Imagino a Mary John na sua vidinha lá em Barcelona, a esquiar nos Pirenéus, a bambolear-se pela Costa Brava, a descer as Ramblas, a piscar o olho ao Gaudi, e sinto aquele entusiasmo vão dos pais que ficam na bancada a assistir à vida dos filhos.

📖 Uma edição da L’Altra Tribu, com tradução de Mercè Ubach.

📸 Foto algures em Barcelona cedida pelos autores do bookstagram “Els Bookhunters”.