quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Estou grávida até dizer chega

Estou grávida até dizer chega. Trago aqui dentro um parasita, que não é uma lombriga nem um cuco. É um segredo humano, muito bem guardado. Escondi-o no meu baú reprodutor há uns meses e trato-o com grande sigilo por causa dos predadores e dos espíritos maus. Nunca se sabe. 
Ssshhhiu! É o meu fruto secreto. 
E nunca sonho com ele. Nunca escrevo sobre ele. 
Mas penso nele o tempo todo.
O meu esboço de gente. Ainda sem rosto, sem nome, sem trejeitos.
Ninguém o conhece. Ninguém sabe ao que vem. Mesmo eu, nunca o vi mais gordo. 
Para já, rebola e dá pontapés. É o meu hóspede clandestino. E acho que gosta de viver aqui dentro.
De manhã, olho-me ao espelho e observo a minha barriga toda emproada, o meu umbigo do avesso. Sou um pequeno astro.
As pessoas sorriem para mim na rua, fazem-me perguntas: É o primeiro filho? É menino ou menina? Está para breve?
As perguntas surpreendem-me. Como é que eles sabem? Quem lhes contou o meu segredo de Estado? Agarro-me à barriga, respondo a bichanar. Bshiu, bshiu, bshiu!
Para a semana revela-se o mistério. Acabam-se os segredinhos. E eu, por acaso, tenho pena. Voltarei a ser uma pessoa muito sozinha e este fruto humano será quem ele quiser ou puder ser. Passará a existir pelo seu próprio pé. E terá o nariz Pessoa, os olhos Bandarra, o feitio do pai, a energia das avós. Será muito parecido comigo, muito parecido com o Homem Ilimitado. Será uma versão melhorada, uma cópia barata, o completo oposto, o que for.
Aí vem ele. O forasteiro. A mergulhar de cabeça no mundo. Igualzinho a todos os outros. Diferente de todos os outros.
Uma pessoa a sério.

Não dá para esconder mais esta verdade.