terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O génio da gargalhada

Era um bom dia para a tristeza. As nuvens largadas num pranto, o sol nem vê-lo, mas afinal ainda dei umas gargalhadas magníficas, porque me pus a ler o livro do Ricardo Araújo Pereira.

O riso espanta quase sempre o negrume. É o que nos vale.


Na sua espécie de manual de escrita humorística, Ricardo Araújo Pereira fala-nos precisamente disto: do humor que suaviza. Do riso que consola.

Somos quase todos uma cambada de tristes e, por acaso, isso tem bastante piada.

Aquelas pessoas felizes até são bonitas, mas não são nada cómicas. A bem dizer, são extremamente chatas. "As coisas boas", diz-nos Ricardo Araújo Pereira, "não dão vontade de rir".

Os hipócritas e os hipocondríacos têm muito mais graça. Os aldrabões e impostores também. Talvez por isso o Trump nos dê tanta vontade de rir. Nas palavras de Ricardo Araújo Pereira: "O humor pode ser, então, uma estratégia para reagir ao sofrimento". Nem mais.

Mas não só de lamúria se faz uma gargalhada.

De Aristóteles a Chico Buarque, passando por Shakespeare, Fernando Pessoa e Seinfeld, Ricardo Araújo Pereira vai ilustrando os vários tipos de humor: o riso provocado pelo escárnio, pela imitação, pela caricatura, pela repetição.

Também nos partimos a rir perante a morte, essa piadinha de mau gosto. Estamos condenados ao desaparecimento desde que nascemos. Ainda assim, é possível rir da tragédia. Rimo-nos da morte para não sentirmos miúfa, porque "o riso subverte o medo", nem que seja durante uns segundos.

Em todos estes casos, o génio da gargalhada será sempre o humorista. É ele que atraiçoa e dissimula. Brinca com as nossas expectativas. Surpreende-nos com graça precisamente porque nos engana. O humorista é o ilusionista intelectual. Vira o mundo do avesso, desafia a moral, provoca a desordem. Mostra-nos as nossas próprias incoerências e contradições, põe o dedo na ferida. O humorista é o observador privilegiado. É o revolucionário ligeiramente louco.

Mais do que um manual de escrita humorística, este livro parece ser uma declaração de intenções. "Talvez todas as manobras humorísticas tenham como objetivo introduzir um elemento de caos no mundo".

Venha a nós o Ricardo Araújo Pereira.

Nunca precisámos tanto de rir. Virando as coisas do avesso, talvez seja possível encontrar um sentido na falta de sentido.

A vida, por vezes, tem um humor um bocado negro. E já se sabe que rir é o melhor remédio.