sexta-feira, 18 de setembro de 2015

A claridade fugidia

Acabo de ser atingida por um raio místico. 
Estou no comboio, a agitar o corpo e a alma numa viagem para o Porto, a ler Uma Viagem à Índia.
De súbito, num momento de qualidade ascética, um raio de luz aterrou escancarado no livro. Era o único pedaço de sol na carruagem. 
Uma faísca certeira a iluminar uma estrofe do demoníaco Gonçalo M Tavares. Como se aquela página fosse a entidade eleita. 
Os meus olhos, depois da escuridão, habituaram-se à luz. Leram a estrofe 97 do Canto IV:

"E um homem não conhece a sua verdadeira ambição
até passar por uma tragédia forte, uma tragédia individual. Só se sabe olhar, depois
de se aprender. E olha-se melhor no primeiro momento
a seguir ao sono. Ter os olhos fechados é afinar a pontaria,
é preparar a íris negra para a rápida
claridade que nos foge."

Interrompi a leitura e escrevi isto. 
Para ultrapassar o assombro. E agarrar a claridade fugidia.