segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Um homem caminha com as mãos atrás das costas

Aquele homem caminha com as mãos atrás das costas. Aproxima-se das pessoas e elas agitam-se como pombos, claro, têm medo. Não sabem o que o homem traz atrás das costas e o desconhecimento é terrível. Pode muito bem trazer uma bomba ou uma arma atrás das costas. Que arma?, questionam-se as pessoas dentro das suas cabeças. Qualquer tipo de arma! Uma pistola, uma faca, uma metralhadora. O homem que caminha com as mãos atrás das costas pode ser um terrorista ou um agente secreto ou mesmo um louco. Sim, um louco. Bem, também pode ser só um polícia. Pode trazer um bastão atrás das costas, por exemplo. E nesse caso, está a zelar pela segurança dos cidadãos. De repente, as pessoas apaziguam-se. Não é nada mau estar perto de um polícia, pode dar jeito. Quando se fala de armas, o sentimento de segurança e o sentimento de insegurança confundem-se. As pessoas tanto se sentem seguras como se sentem inseguras. Pensam: Sinto-me seguro. E logo a seguir: Sinto-me inseguro. É extremamente difícil sentir um só sentimento de cada vez. A verdade é que o homem que caminha com as mãos atrás das costas pode nem trazer nada atrás das costas. Pode só estar de mãos dadas atrás das costas, há muita gente que caminha assim, em especial homens de meia-idade como este senhor. Sim, é um senhor, não é só um homem. Tem a barba feita e exala um cheiro sofisticado que é bom para as narinas. Além disso tem um ar saudável e simpático. Deve beber sumo de laranja todas as manhãs e abrir a porta do carro às senhoras. Ainda assim, as pessoas agitam-se, não estão convencidas. Um homem com ar de cavalheiro nem sempre convence, porque no geral é difícil convencer as pessoas. O que traz o homem atrás das costas, afinal? O narrador deste texto sente esta tensão no ar e sorri divertido, porque o narrador não tem nada a temer. Não que estejamos perante um narrador corajoso e temerário, nada disso. Este narrador é cobarde até dizer chega, é um autêntico menino da mamã. Só que o narrador, na sua qualidade de narrador, não existe propriamente, não tem carne nem osso, portanto não corre perigo de vida. Já se sabe que, tanto na realidade como na ficção, não é possível matar uma pessoa sem corpo. Um narrador só tem alma. Acresce a isto que o narrador está numa posição estratégica em relação ao homem e às pessoas, porque vem precisamente atrás do senhor que cheira bem e vê perfeitamente o que o homem transporta atrás das costas. Bom, acabe-se com este mistério: o homem traz um guarda-chuva atrás das costas. Esta é a verdade. Sim, um mero guarda-chuva, daqueles que aumentam e encolhem consoante a necessidade. Neste momento, o guarda-chuva vem encolhido, porque não está a chover, até porque estamos na plataforma do metro e, por norma, não chove debaixo de terra. O narrador ri-se das pessoas inquietas e agora distrai-se da sua personagem principal. Está a pensar nesta característica interessante e invejável de os guarda-chuvas aumentarem e encolherem consoante a necessidade. Seria bom aplicar esta característica a outras coisas. Aos carros, por exemplo. Às estátuas, às praças, às igrejas e também às pizzarias, às tascas, aos quiosques de jornais, às lojas de roupa, aos supermercados, às máquinas de lavar loiça, às máquinas de cortar relva, a todo o tipo de máquinas aliás. Às alterações climáticas, ao mercado único, à política comum das pescas. Aos livros. Ou mesmo às pessoas, porque não? Aumentá-las e encolhê-las consoante a necessidade. Preciso de ti: aumenta. Agora já não preciso de ti: encolhe. Contabilistas, tradutores, escritores, arquitetos, astrónomos, padres, mães, pais, padrinhos. Ocuparia tudo muito menos espaço. Poderíamos meter tudo e mais alguma dentro de gavetas e teríamos um mundo limpo e arrumado. Seria muito melhor viver num mundo assim. O narrador vai enumerando as vantagens dentro da cabeça, mas logo se depara com as desvantagens. Por exemplo, o sentimento de insegurança é uma desvantagem, porque esse seria porventura maior num mundo repleto de coisas que aumentam e encolhem. Nada seria previsível! Tudo caberia dentro de uma mala ou de um bolso. Seria possível trazer um prédio atrás das costas ou mesmo um comboio ou até a própria União Europeia, consoante a necessidade. As pessoas seriam como mágicos, mas sem a parte da magia. Cada um transportaria o que quisesse dentro da sua cartola. O narrador pensa em tudo isto e esquece-se do protagonista desta história. O que trazer dentro de uma cartola? No caso de um narrador, histórias e personagens, metáforas, diálogos, expressões idiomáticas.
O metro chega e o homem do guarda-chuva entra na primeira carruagem, desaparece no meio dos outros. É uma pessoa como as outras. Vai encolhido a um canto, já ninguém o vê.