terça-feira, 12 de outubro de 2010

Comer, orar, amar

Vejamos: Não ando propriamente a correr atrás de bestsellers, mas não tenho nada contra eles. Li O Código Da Vinci com enorme interesse e gostei muito d'A Sombra do Vento. Ando a ler The Girl with the Dragon Tattoo e no ano passado cheguei ao cúmulo de ler os dois primeiros livros vampirescos da Stephanie Meyer, portanto é como digo: Não tenho nada contra bestsellers.
Confesso, no entanto, que livros com tipos de letra frufru e subtítulos do género "A divertida aventura de uma mulher à descoberta de si mesma" provocam em mim uma alergia gravíssima. É de uma rareza estapafúrdia, bem sei, mas quando vejo um livro assim fico logo cheia de borbulhas e incha-se-me a garganta de tal maneira que nem consigo respirar.
Até há coisa de meia hora, o livro Comer, orar, amar inscrevia-se nesse género de livros perigosos e a evitar. A história de uma mulher que se casa aos 25 anos, se divorcia uns anos mais tarde, manda tudo às urtigas e vai viajar pelo mundo durante um ano só não me dá sono por causa da comichão que provoca em mim e eu não consigo parar de me coçar quando tenho comichão. Isto vindo de alguém que se casou aos 25 anos e só ainda não se divorciou porque ainda não ingressou, claramente, numa divertida aventura à procura de si mesma.
Ando pelos cabelos com a mulher moderna e com a sua revelia histérica de emancipação depois da emancipação. A mulher moderna não serve para nada: não quer casamento nem estabilidade nem filhos, anda por aí à procura de si mesma, comendo, orando, amando, não há paciência. A mulher moderna não interessa ao Menino Jesus.
Há coisa de meia hora, o livro Comer, orar, amar simbolizava para mim todos esses lugares-comuns de mulheres que se descobrem na Índia e fazem ioga para se sentirem íntegras. Mesmo assim, até não me importaria de ver o filme por causa do Javier Bardem e da Julia Roberts, mas mais por causa do Javier Bardem do que da Julia Roberts (mais depressa me descobria no Javier Bardem do que na Índia).
Ora, há coisa de meia hora, estava muito bem a ler o jornal, quando me deparei com uma fotografia de Elizabeth Gilbert, a autora do livro. Era (achava eu) a primeira vez que pousava os olhos no rosto de Elizabeth Gilbert, porque, por mais que tenha ouvido falar do bestseller e da senhora, nunca tinha tido a curiosidade (pelas razões acima expostas) de ver o rosto de Elizabeth Gilbert. No entanto, assim que os seus olhos aguados entraram pelos meus olhos dentro, reconheci-a imediatamente. Bastou-me uma pesquisa de cinco segundos para reencontrar este seu discurso de dezanove minutos sobre criatividade (legendas disponíveis).
Foi a Nocas que me enviou este filme no ano passado e eu nunca mais me esqueci deste discurso nem da mulher atrás do discurso: uma mulher que não quer ser mais nada senão uma mulher de quarenta anos com os seus medos, frustrações, ambições e expectativas.
Quando me apercebi de que esta mulher do discurso e a senhora do livro com tipos de letra frufru e subtítulos do género "A divertida aventura de uma mulher à descoberta de si mesma" eram uma só, disse em alto e bom som: "Alto lá."
Andei na Internet a ler entrevistas a Elizabeth Gilbert e descobri que tenho mais a ver com esta americana loira que escreve sobre mulheres à procura de si mesmas do que com muito boa gente com quem saio à noite.
Decidi imediatamente ler o livro. Não que o vá ler já de seguida, porque também não tenho pressa, mas vou ler, sim. Para descobrir a autora e a mulher que há em Elizabeth Gilbert.
Passou-me a alergia.
Acho.