quinta-feira, 9 de outubro de 2008

No escritório do chefe (I)

- Desculpe, chefe, dá-me licença?
- Claro, Vasco. Ora essa. Entre, entre.
- Muito obrigado. Ora bem, peço desculpa, mas queria só mesmo um minutinho, se pudesse ser…
- Ó Vasco, por favor! Um minutinho?! Eu tenho todos os minutinhos para si, homem. Sente-se aí.
- Não, não. Não é preciso sentar-me.
- Claro que é, Vasco. Puxe dessa cadeira, homem.
- Não, deixe estar. É que realmente é só um minutinho da sua atenção, se pudesse ser...
- Pronto, pronto, Vasco, diga lá então. É que hoje, sinceramente, pode dizer-me qualquer coisa, sabe? Há aqueles dias assim, pá, um homem acorda de manhã e apetece-lhe salvar o mundo, 'tá a ver? Estou inspiradíssimo.
- Sim, pois, às vezes é assim, não é, chefe?
- É verdade. E hoje tenho ganas de salvar o mundo, pá! Ir por aí desenfreado com uma máscara do Zorro, hein? A galope...
- Pois é, chefe. Ou então a trote para não ser tão depressa.
- É verdade, ó Vasco. Não se pode salvar o mundo à pressa, não é?
- Não, não se pode. O que é preciso é ter calma, chefe.
- Exactamente, Vasco, exactamente. Você é um homem esperto. Então sente-se aí, vá.
- Não, não, chefe, não tenho tempo.
- Não tem tempo?
- Pois não, não tenho.
- Tem, sim senhor! Pois claro que tem tempo! Está um dia tão bonito, ó Vasco. Olhe para isto, veja lá como o dia se pôs bonito, veja lá bem isto.
- Pois, está muito bonito, sim senhor, mas tenho mesmo qu'ir.
- Epá, ó Vasco, não me diga que vai salvar o mundo?!
- Mas é que vou mesmo, chefe. Se me deixar, vou mesmo.
- Epá, você, Vasco, é um homem do caraças, pá. É que gosto dessa atitude, gosto mesmo! Dá-me um gozo diabólico. Um homem dedicado ao seu trabalho é uma inspiração, pá! Pronto, vá lá então salvar o mundo! Quem sou eu para o parar?
- Vou, vou. Vou salvar o mundo. Mas antes disso queria então fazer o tal reparo, pode ser?
- Pode ser, claro que pode ser. O mundo não anda para a frente sem reparos, ó Vasco.
- Pois não, chefe. Então vamos a isto.
- Diga, diga, Vasco.
- É mesmo uma coisinha rápida.
- Sim, sim, sou todo ouvidos, faça lá o seu reparo.
- Bom, ora bem, queria só informá-lo do seguinte: você, chefe, realmente, é uma pessoa muito estúpida. Realmente estúpida. Pronto, estúpida. Do mais estúpido que pode haver, percebe? Achei que devia dizer-lhe isto.

(continua)