terça-feira, 7 de outubro de 2008

História sem acção

Havia no fundo da sala um relógio de parede que respirava segundos.
Três mil segundos. (É o tempo que dura esta história.)
Um rapaz está deitado no sofá. Não sabemos há quanto tempo, mas está.
O rapaz permanece deitado.
Aparentemente para sempre. Eternamente. Até ao fim do mundo. Mas na verdade não, porque esta história só dura três mil segundos.
Durante este tempo (equivalente a cinquenta minutos) o rapaz não adormece. Os olhos dele estão abertos para uma outra dimensão, não seguem os ponteiros do relógio.
Também não fuma, não lê, não come. Tem aliás as mãos presas atrás da nuca, os cotovelos apontados para o tecto. E para que conste, também não fala nem assobia nem tosse.
Perguntam-me: Esse rapaz está triste? Profundamente triste? Irremediavelmente triste? E eu digo: Não, não está.
(Mas também não está alegre.)
O rapaz está. Só isso.
Está.
No final dos três mil segundos, o rapaz ainda está assim. Deitado.
Perguntam-me: O que estará ele a fazer? E eu digo: Nada. O rapaz não faz nada, rigorosamente nada. Digo mais ainda: Se uma mosca passasse, ele não olharia para ela. E se ela pousasse no seu nariz, ele não a sacudiria.
Nenhuma mosca passa, é claro. Mas se passasse, aconteceria o que vos digo.
E tudo porque o rapaz está deitado no sofá. De cotovelos apontados para o tecto. É essa a sua prioridade. O seu objectivo.
E vendo bem os factos, temos de confessar o seguinte: estar deitado é uma ocupação como qualquer outra.
Um pouco menos querida, é certo. Menos badalada. Menos perfeita.
Mas nem por isso diferente das restantes.
É aliás, se me permitem, uma ocupação mais elevada do que outras. Por ser mais digna. Mais útil. E verdadeira.
É, por exemplo, mais útil estar deitado do que escrever sobre alguém que está deitado. Do que ler sobre alguém que está deitado. Do que não estar deitado.
Deixemos portanto o rapaz.