quarta-feira, 16 de abril de 2008

Um homem caminha no parque.

Não passeia pelo parque. Caminha. Senão vejamos:
É quase baixo e anda cabisbaixo a contar as pedras do chão. Vem aliás zangado com as pedras do chão. A bater nas pedras do chão. (Indignamo-nos.)
Traz também as mãos presas nos bolsos.
(Imaginamo-las pesadas como as pedras do chão.)
O homem traz portanto pedras nos bolsos.
Além disso, o homem não segue o trilho que o jardineiro tão cuidadosamente esculpiu para os homens que passeiam. Em vez disso, vai em frente (sempre em frente), atrás de uma recta que só ele vê.
Temos a certeza que o homem vê essa recta, porque o seu trajecto é impecavelmente alinhado, alheado, alienado. Vai sempre a direito pela relva, pisa o que tiver a pisar (incluindo eventuais pedaços de merda que julgamos ver daqui). Dá a sensação que, havendo por aqui um lago, o homem o atravessaria sem hesitar. Seguiria em frente como um touro e caminharia inacreditavelmente sobre a água, ainda zangado com as pedras do chão e dos bolsos, ignorando o milagre.
(Infelizmente, não há por aqui um lago e o homem segue mortal como os outros.)
O homem caminha. Não passeia.
Se passeasse, traria a cabeça içada, o nariz elevado, o olhar mais ainda. Tocaria naturalmente com o pensamento nas nuvens. Seria um homem um pouco mais alto, um pouco mais livre, um pouco mais pássaro. E, como já se disse, o homem que caminha é baixo, cabisbaixo.
(De pássaro só o nariz, que adivinhamos aquilino, como os bicos das aves de rapina.)
E subitamente apercebemo-nos de que este homem tem qualquer coisa de árvore. Repetimos: de árvore. É uma semelhança curiosa, tendo em conta que este homem caminha sempre em frente e as árvores só andam para dentro.
(Da terra, claro.)
Observamo-lo com mais atenção e reparamos que este homem e as árvores têm em comum a curvatura do tronco. Um é vertebrado, o outro não, já se sabe. Mas ambos dobram a coluna para a frente, por causa do peso da vida, muito próxima do chão.
Formulemos uma hipótese: este homem é uma árvore andante.
E daí talvez não. Somos nós que andamos e confundimos o movimento.
(Ilusão de óptica.)
Concluímos: O homem anda para dentro. Sempre em frente, para dentro da terra.
Daí as pedras do chão.
E as dos bolsos.