terça-feira, 8 de abril de 2008

Retrato de homem ao sábado de manhã

Para o meu pai

Não se levanta cedo nem tarde. Levanta-se, pronto.
Toma banho, apesar de o dia ainda ser novo.
Penteia o cabelo e veste camisa. Não é necessário, mas veste.
Está para sair e pergunta: "Trago pão?". Respondem-lhe: "Traz".
O homem vai à Sacolinha tomar o pequeno-almoço. Sempre à Sacolinha. E das duas, uma: ou vai a pé até à do Edifício Sol, ou vai de carro à do Bairro do Rosário. Por vezes, vai também àquela outra, não muito longe da praça de touros.
Fica ao balcão. Sempre ao balcão, embora não lhe falte tempo nem vontade.
Pede: Um quarto de vigor, como se não houvesse outro leite nem outra medida. Um quarto de vigor. Come uma merenda ou uma empada, qualquer coisa com sal dentro, que combine com o seu ar de marinheiro fora d'água.
Pede: "Dois mafrinhas!".
Não se engana no tipo de pão nem na quantidade. Estes variam, mas ele não.
Não se engana.
Bebe um café e paga, antes mesmo de saber quanto deve.
Não faz nada disto com pressa.
Faz, apenas.
Vai à tabacaria do Cidadela comprar o Expresso. Noutros tempos levaria também Português Suave, mas agora não. Só leva o Expresso. A senhora do quiosque tem ar de cozinheira, de governanta, de senhora que vive prós outros. Pergunta invariavelmente pela família.
Está tudo bem, obrigado!
O homem segue contente por lhe perguntarem pela família, por a senhora ser simpática, por a vida ser boa e branda aos sábados de manhã. Diz um Bom dia! satisfeito, quando chega a casa.
Tem dois sacos na mão. Num a leitura, no outro o pão.
Para alimentar a família.
É um homem fascinante.
Não faz por ser.
E, no entanto, é.