segunda-feira, 7 de abril de 2008

Mulher à janela

Queria estar em casa e, quando estava, queria estar noutro lugar. Escolhia por isso a janela da sala para os seus serões e ficava horas a ver a chuva, bem como as pessoas debaixo dela.
A chuva era fina e transparente. Por vezes, não se via. Uma chuva a fingir que não era.
As pessoas eram pequenas ou grandes. As que vinham da esquina eram pequenas e depois ficavam grandes. As que vinham da outra ponta da janela eram grandes e ficavam pequenas. As primeiras apareciam imprevistas no fundo da rua e subiam muito lentas, como caracóis, até desaparecerem enormes na outra ponta da janela. As segundas apareciam enormes e minguavam a cada passo, até desaparecerem formigas na esquina. Quem subia a rua era pequeno e inchava até ser gente. Quem descia a rua era pessoa, que se tornava depois em quase nada.
A mulher media as pessoas da esquina com o polegar da mão esquerda: alinhava-o com o olho e depois concordava com a designação "polegarezinhos". Achava que as pessoas que vinham da esquina eram duendes. Que só depois se transformavam em pessoas.
Por outro lado, os que vinham da ponta da janela já eram pessoas e depois ficavam cada vez mais pequenos até desaparecerem na esquina com o tamanho exacto de um polegar. Eram agora duendes.
A sua rua dividia os dois mundos e a mulher à janela preferia minguar a crescer. Ou seja, gostava mais de duendes do que de pessoas. Por isso, quando saía de casa, nunca subia a rua: descia sempre. Fosse qual fosse o seu destino, começava o seu trajecto por descer a rua que unia os dois mundos.
Pelos seus cálculos, minguava cinquenta vezes em cada saída, porque dava cinquenta passos até ao dobrar da esquina. A esta altura seria, pois, mil vezes mais pequena do que um polegar. Qualquer dia, serei um só átomo, prometia a si mesma.
Ninguém via a mulher à janela, pois era demasiado pequena para os olhos. Hoje à tardinha, olhou para o seu reflexo na janela e nem mesmo ela se viu.
Era quase igual à chuva:
uma pessoa a fingir que não era.